Alimento consumido por povos indígenas há pelo menos 9 mil anos pode ser cultivado em condições climáticas extremas. Um grupo de pesquisadores está estudando maneiras de reintroduzi-lo no cultivo de comunidades do Amazonas, tornando-o uma fonte de renda durante a estiagem.
À primeira vista, o ariá lembra uma batata. Seu sabor remete ao milho e possui a crocância de uma cenoura, com um elevado valor nutricional. Embora se assemelhe a alimentos comuns na mesa do brasileiro, o ariá é um tubérculo que desapareceu das roças, feiras e supermercados. Contudo, seu retorno pode estar próximo graças a uma característica especial: ele pode ser cultivado em condições climáticas extremas, como a seca da Amazônia.
A região Norte do Brasil já está enfrentando as consequências da diminuição do nível dos rios este ano. No Amazonas, especialistas preveem a pior seca da história do estado e recomendam que a população das áreas afetadas estoque água potável e alimentos.
Nesse cenário, um grupo de pesquisadores do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) resgatou o ariá, um alimento popular na Amazônia e consumido por povos indígenas há pelo menos 9 mil anos. Eles estão trabalhando para reintroduzi-lo no cultivo de comunidades indígenas e ribeirinhas do Amazonas.
Presente nos mercados urbanos da Amazônia até meados dos anos 1970, o ariá perdeu espaço para culturas comerciais e alimentos industrializados, o que afetou sua produção nas comunidades, especialmente em territórios indígenas.
Alexandre, mestrando em Ecologia, lidera o resgate do ariá na aldeia Nova União, na Terra Indígena Andirá-Marau, localizada no município de Barreirinha, interior do Amazonas. A iniciativa foi inspirada pelo projeto “Diálogos científicos multiculturais sobre a sociobiodiversidade na Amazônia com potencial bioeconômico”, do Inpa.
O ariá tem alta adaptabilidade ao clima quente e é resistente a adversidades climáticas, sendo apontado pelos pesquisadores como uma alternativa de cultivo durante o período de seca na Amazônia, com colheita de julho a setembro.
Alexandre lembra que, em 2023, a seca devastou grande parte da safra de hortaliças, macaxeira, banana e guaraná na aldeia Ponta Alegre, do povo Sateré-Mawé. Aproximadamente 760 moradores da comunidade, na Terra Indígena Andirá-Marau, sofreram com a seca e enfrentaram a escassez de alimentos.
No Alto Rio Negro, o ariá também é uma aposta dos indígenas dos povos Bará, Tuyuka e Tukano para se tornar uma nova fonte de renda: eles estão desenvolvendo o caxiri (bebida indígena fermentada) de ariá.
“Isso amplia nossas possibilidades e nos permite agregar valor a um alimento que era só para subsistência. O projeto nos ajudou a enxergar essas oportunidades de negócios sustentáveis”, disse Silvio Sanches Barreto, filósofo, mestre e doutor em Antropologia. Pesquisador e indígena do povo Bará, ele agora busca inserir o produto no mercado.
Em Manaus, o estudante Eli Minev-Benzecry, 17, inspirado por memórias afetivas da avó, incluiu o plantio do tubérculo em um projeto desenvolvido junto ao Instituto Federal do Amazonas (Ifam), transformando um campo de futebol em desuso em um Sistema Agroflorestal.
“Essa ideia surgiu de um projeto que iniciamos no nosso sítio. Minha avó disse: ‘plante ariá, que eu gosto muito’. Eu nem sabia o que era, mas plantamos e fiquei curioso em saber mais sobre essa ‘batatinha’ que era tão comum no passado e hoje é tão difícil de encontrar”, contou Eli, que também é coautor de um livro com curiosidades, informações científicas e históricas e memórias afetivas sobre o tubérculo amazônico.
Alto valor nutricional
Nativo da América do Sul e Central, o ariá é um alimento versátil na cozinha e possui um alto potencial nutricional. Assim como peixes, carnes, ovos, cogumelos e a tradicional mistura de arroz e feijão, o ariá está entre os alimentos que fornecem os nove aminoácidos essenciais para uma boa nutrição, fundamental para o funcionamento adequado do corpo humano.
O tubérculo é classificado como fonte vegetal de proteína de alto valor biológico, o que explica sua importância histórica para os povos amazônicos. Ele contém minerais como ferro, potássio, magnésio, zinco, sódio, cálcio, manganês e fósforo, além de vitaminas como tiamina (vitamina B1), riboflavina (vitamina B2), niacina (vitamina B3) e ácido ascórbico (vitamina C).
Na culinária, o ariá é marcante por sua crocância e textura. Ao cozinhar o tubérculo, não é necessário adicionar sal, sendo considerado um “sal vegetal” pelos povos do Alto Rio Negro. Pode ser consumido assado, em mingaus, na fabricação de bebidas como o caxiri, ou em seu formato mais comum, cozido.
“Já vemos uma grande mudança no perfil de saúde dos parentes. Hoje, temos pessoas diabéticas, com hipertensão e outras doenças causadas pela má alimentação. O resgate do cultivo de culturas como o ariá pode ser o pontapé inicial para a reconstrução de uma estrutura alimentar mais saudável”, finaliza Alexandre.