Quem nunca ouviu falar do curupira, do boto-cor-de-rosa ou da vitória-régia? Essas lendas atravessam gerações, carregando consigo a identidade e a sabedoria dos povos tradicionais da Amazônia. No Dia do Folclore, celebrado nesta quinta-feira (22), o g1 relembra histórias que representam a profunda conexão entre as comunidades e o meio ambiente.
O folclore brasileiro, composto por um conjunto de costumes, crenças e saberes tradicionais, é vasto e diversificado, variando conforme a região.
No Amazonas, as lendas vão além das “histórias de pescador” e, de acordo com o folclorista e historiador Nonato Torres, esses contos são mais do que simples relatos; são uma forma de sabedoria ancestral.
Dentro da vasta riqueza cultural da Amazônia, o g1 selecionou três lendas que continuam vivas até hoje no imaginário popular.
Cobra Grande
A lenda da Cobra Grande, também conhecida como Boiúna, narra a história de uma imensa serpente que habita os rios da Amazônia e tem o poder de alterar o curso das águas. Diz-se que a criatura emerge das profundezas dos rios para atacar barcos e devorar pescadores.
Em algumas partes da região, a lenda conta que a cobra deu à luz dois filhos: o bondoso Honorato e a cruel Caninana. Um dia, os irmãos se envolveram em uma luta mortal, até que Tupã interveio, e das cobras surgiu uma bela mulher.
Uirapuru
Em muitas culturas, acredita-se que o Uirapuru é um pássaro mágico, e quem o avista pode ter um desejo realizado.
A lenda diz que um jovem guerreiro indígena se apaixonou pela filha do grande cacique e, sem a aprovação dele, não podia se aproximar de seu amor. Para estar perto da amada, ele pediu ao deus Tupã que o transformasse em um pássaro com um canto maravilhoso.
Um dia, o cacique ouviu o canto do Uirapuru, ficou encantado e, ao tentar capturar o pássaro, se perdeu na floresta e nunca mais foi visto.
Matinta Pereira
De acordo com a lenda, Matinta Pereira é uma entidade que ronda a floresta com um assobio agudo e assustador. Quem a escuta deve prometer tabaco ou fumo, que será recolhido no dia seguinte por uma velha senhora. Diz-se que essa idosa é uma pessoa da região que carrega a maldição de se transformar em Matinta Pereira.
A crença popular afirma que a entidade ajuda a proteger a fauna e a flora, espantando caçadores e madeireiros. Também se acredita que, quando a idosa está prestes a morrer, ela pergunta: “Quem quer?”. Se alguém responder “eu quero”, pensando que receberá alguma riqueza, acaba herdando a maldição de se tornar a próxima Matinta Pereira.
Reflexo cultural
Nonato também destaca que as lendas amazônicas desempenham um papel crucial na compreensão da relação entre as comunidades e a natureza, pois os moradores interagem e percebem o meio ambiente ao seu redor de forma única.
“Na Amazônia, as lendas frequentemente personificam elementos da natureza, transformando animais, plantas e fenômenos naturais em personagens com intenções e emoções próprias”, explicou o historiador.
Ele mencionou a lenda do boto-cor-de-rosa, na qual o animal se transforma em um jovem atraente para seduzir as mulheres. Segundo ele, essa narrativa codifica as complexas interações entre os seres humanos e as criaturas do rio, assim como os riscos e maravilhas da vida nas águas.
Além disso, essas histórias muitas vezes desempenham o papel de ensinar sobre práticas sustentáveis e o respeito à natureza.
As lendas também refletem as experiências e crenças de cada povo, que podem ter visões distintas sobre o mesmo conto. Enquanto algumas comunidades ribeirinhas veem o boto-cor-de-rosa como benevolente e encantador, outras o consideram traiçoeiro e ameaçador.
Apesar de sua popularidade, a preservação dessas histórias tem enfrentado desafios, como a migração e o deslocamento das comunidades indígenas e ribeirinhas. Ao g1, o folclorista ressaltou a importância de garantir que essas tradições orais permaneçam vivas.
“É fundamental que existam políticas públicas voltadas para a valorização das culturas tradicionais, iniciativas de educação intercultural que promovam o respeito e o conhecimento das tradições orais entre os jovens, e esforços de documentação e revitalização das línguas indígenas”, concluiu.